Pensaram que eu era da Judiciária, mas eu sou daqui, não sou?
Quando tive a ideia, pensei nas moradias autoconstruídas, de como cada uma delas é única e conta uma história, mesmo que a olhemos de fora e não saibamos nada sobre ela. Queria fotografar essas histórias, através dos detalhes e da procura de encontrar a ordem naquela pequena anarquia arquitetónica.
Quando comecei a ir diariamente para o bairro, comecei a questionar-me sobre mim, sobre a minha eterna fuga a pertencer aqui. Cresci num bairro muito perto deste, tão perto que as fronteiras não existem e familiares moram num e noutro bairro. Desde sempre me senti deslocado, nunca senti que fazia parte, não me identificava com as pessoas, recusava-me a pertencer aqui e achava que pertencia a outro lugar qualquer.
Com a máquina à tiracolo eu andava por ali a procurar histórias a que me recusei pertencer e tentava escrever uma história que não existe, como quem procura a caricatura para caracterizar. Eu não queria olhar de fora, mas a dúvida estava lá: como olhar de dentro para dentro do bairro?
Esta dúvida fez com que me aproximasse, que fechasse o plano e a luz. Integrar-me no bairro não me chegava, eu quis fundir-me com o bairro. Aproximei-me muito, aproximei-me até demais. Houve quem me perguntasse quem eu era, houve quem achasse que eu era da Judiciária, mas houve quem me acolhesse e houve momentos em que eu próprio me acolhi, mas a dúvida persiste: eu sou daqui, não sou?
Projecto desenvolvido no âmbito da Oficina Fujifilm: Iniciação à fotografia na Narrativa, orientada por André Dias Nobre. O projecto final teve a mentoria e o acompanhamento de Mário Cruz.
Projecto desenvolvido no âmbito da Oficina Fujifilm: Iniciação à fotografia na Narrativa, orientada por André Dias Nobre. O projecto final teve a mentoria e o acompanhamento de Mário Cruz.